domingo, 16 de janeiro de 2011

Relatório secreto diz que “estrela política” de Jânio Quadros estava “afundando numa poça de uísque”


Da série “venenos da diplomacia” : o que dizem papéis que passaram décadas protegidos sob sigilo ?




Em pelo menos um dos relatórios produzidos sobre a renúncia de Jânio Quadros, a Embaixada britânica não resistiu à tentação de cometer uma ironia – sobre a predileção que o presidente Jânio Quadros devotava ao uísque.



O relatório confidencial (documento FO 371/162.132 do Public Record Office) produzido pela Embaixada no dia 19 de abril de 1962, oito meses depois da renúncia, avisa a Londres :



“A estrela política de Jânio Quadros parece estar afundando numa poça de uísque. Quando ele era presidente, circulava uma certa quantidade de discretos rumores sobre sua atração pela garrafa. Desde que ele retornou, estas histórias cresceram em intensidade. Agora, aparecem em colunas de fofocas e em caricaturas. Uma piada que se conta aqui – e não é exatamente uma piada – é que as “forças ocultas” que Jânio culpou pela renúncia saíram de uma garrafa. Frequentadores de bar agora pedem ao barman que lhes sirvam “forças ocultas com gelo”. Como quase tudo é possível na política brasileira, pode se rque ele recupere terreno tão rapidamente quanto perdeu”.



(Jânio Quadros, como se sabe, surpreendeu Deus e o mundo ao renunciar à presidência apenas sete meses depois de ter sido eleito com uma votação espetacular. 2011 marca os cinquenta anos da renúncia. Visto com desconfiança pelos militares, o vice-presidente João Goulart assumiu o poder. O Brasil mergulhou numa crise política que desembocou no golpe militar de março de 1964).



Depois de recorrer a números de uma pesquisa e a piadas de bar para informar o Foreign Office sobre a renúncia de Jânio Quadros, a Embaixada britânica produziu, no dia 12 de março de 1962, um dossiê confidencial em que faz uma aposta errada. Jânio Quadros voltaria à Presidência da República, segundo a bola de cristal dos ingleses – que, desta vez, falhou:



“Devido, em grande parte, à incompetência de seus sucessores, o retorno do ex-presidente Quadros à Presidência é amplamente tido como inevitável. O eleitorado vem se voltando contra a má administração do país por parte das máquinas partidárias tradicionais. O senhor Quadros se opõe a estas máquinas e pode tentar conduzir o movimento das reformas, mas a experiência anterior indica que o retorno de Quadros ao poder só pode ser vista com alarme. Ninguém sabe o que levou o senhor Quadros a jogar a toalha, como ele fez. Alguns atribuíram à instabilidade próxima da loucura. Numa declaração tipicamente lacônica, que fez há seis meses, ao deixar o Brasil em direção ao Reino Unido, o sr. Quadros disse que voltaria no tempo devido para atuar como advogado e professor. Ninguém acredita que ele tenha intenções tão modestas (…) Não há nenhuma razão para crer que o ex-presidente tenha adquirido bom senso – ou até boas maneiras – em suas viagens: parece que o Brasil pode-se ver brevemente sujeito à inacessível magalomania de Quadros; às suas ideias demagógicas de tendências nacionalistas; à sua gratuita e brutal rudeza para com aqueles que, brasileiros ou estrangeiros, querem ser seus amigos ou conselheiros e a gestos infantilmente provocativos e impertinentes, como a concessão de uma alta condecoração a Che Guevara. Com certeza, não é fácil ser otimista diante das perspectivas brasileiras se o senhor Quadros retornar ao poder, mas igualmente não seria racional abandonar todas as esperanças e esquecer suas realizações”.



(Trecho do livro “Dossiê Brasil”, esgotado).


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